Depoimento de Luiz Pinguelli Rosa sobre o IF e Plínio Süssekind Rocha

Plínio Süssekind Rocha, Meu Primeiro Guru na Física

Plínio Süssekind Rocha, no Departamento de Física da antiga Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da UFRJ, que se transformou no Instituto de Física, me fez estudar e fazer seminários sobre os “Principia”- não os do Newton, mas os de Russell e Whitehead, um calhamaço de lógica matemática – tarefa esta que não consegui terminar e ele me mandou fazer seminários sobre o livro do Moller de Teoria da Relatividade.

Quando pedi demissão do Exército sai do Instituto Militar de Engenharia e fui trabalhar no reator Argonauta, recém inaugurado no Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), na Ilha do Fundão e fazer o curso de física na UFRJ. Fomos juntos o Zieli Dutra Thomé Filho, o Fernando Raimundo Aranha Simão, o José Carlos Borges e eu, todos tenentes do que é hoje o Batalhão Logístico da Divisão Blindada em São Cristóvão.

A física nuclear era dada por César Lattes, a física atômica pelo José Leite Lopes, que foi para a França por causa da ditadura e seu curso passou aos seus assistentes, a mecânica analítica e a mecânica dos meios contínuos pelo Plínio Süssekind Rocha¹ e a teoria eletromagnética pela Sarah de Castro Barbosa, ainda jovem. Os três últimos foram pouco depois atingidos pelo AI-5.

Como tiramos boas notas o Plínio nos convidou para sermos auxiliares de ensino nas suas disciplinas. Aceitamos honrados, mas a remuneração era quase nada ou nada.

Fizemos o mestrado em engenharia nuclear na Coppe. Simão e Borges foram depois fazer doutorado em física na Universidade de Paris, enquanto Zieli e eu viemos para a Coppe como professores da pós-graduação de engenharia nuclear, dando aulas também no Instituto de Física da Ufrj. Fomos fazer o doutorado na PUC-RJ com o Erasmo Ferreira e passamos dois anos no Centro Internacional de Física Teórica em Trieste, dirigido por A. Salam – que ganhou o Nobel de física – e alguns meses na Universidade de Stanford.

De dia como pesquisadores do Instituto de Engenharia Nuclear, trabalhávamos na física de reatores. O reator me deixava deslumbrado. Era tudo tinindo de novo, tinha luzes vermelhas, azuis e verdes piscando por todos os lados, mostradores digitais, um computador, ruídos de bip-bip, etc. Era um contraste com o material bélico da Segunda Guerra no Batalhão.

Ao fim do expediente íamos fazer seminários de física teórica com o Plínio. Daí a leitura do livro de Russell e Whitehead.

Plínio, além de ser uma pessoa muito inteligente, tinha espírito e senso de humor. Jantando conosco no antigo restaurante Lucas, em Copacabana, no Posto Seis, na despedida do Borges e do Simão quando os dois iam para a França, Plínio pediu escondido um queijo Camembert nacional e disse que era importado. O Simão o provou, degustou como um conhecedor e sentenciou que, não havia dúvida, era francês, no que o Plínio chamou o garçom para dizer a verdade, provocando risos. Morava com sua mulher Myrce perto da Praça da Cruz Vermelha, próximo das ruas da área do meretrício na Lapa (em nada comparável à Zona do Mangue já extinta naquele tempo), onde gostava de jantar conosco, com um bom vinho sempre que possível, após os seminários, que costumavam acabar tarde. Dizia se justificando:

– As prostitutas não chateiam, trabalham em silêncio, não são barulhentas como as famílias.

O Plínio tornou-se, além de nosso professor, o nosso guru na física. Foi meu primeiro guru (houve outros: o Coimbra e o Fernando Lobo Carneiro na engenharia, o Helio Pellegrino e o Betinho na esquerda). Era, além de um físico matemático, um intelectual, estudioso de lógica e filosofia da ciência, boêmio, que criticava a teoria quântica e gostava da teoria da relatividade geral. Apaixonado pelo cinema, tinha uma cópia do filme de Mário Peixoto “Limite” em acetato. Era uma obrigação irmos a sessões de cinema de arte no Museu de Arte Moderna. Eu curtia mesmo o Buster Keaton e o Charles Chaplin. Aliás, Plínio fora um dos criadores do Chaplin Club, que mereceu a citação de Vinicius de Moraes:

“…O Chaplin Club, de Otávio de Faria, Plínio Süssekind, Almir Castro e outros, que foi, com o filme Limite, de Mário Peixoto, a única coisa séria que tivemos em matéria de cinema no Brasil”.²

Lembro-me de uma conversa no Bar Brasil, na Lapa, com ele, Sarah e o cineasta de “Garrincha Alegria do Povo”, Joaquim Pedro de Andrade, também ex aluno do Plínio e então casado com Sarah. Plínio defendia, discutindo com o Joaquim Pedro, a importância do cinema mudo, argumentando:

– O importante no cinema é a ação e a expressão, enquanto a palavra é essencial no teatro.

Plínio foi um “scholar” que se dedicou profundamente ao estudo da mecânica clássica e dos seus fundamentos, ensinando-a com uma visão crítica aguda, impressa pela sua singular combinação da física teórica com a matemática e a filosofia da física. Essa sua capacidade de crítica ultrapassava a fronteira da ciência. Apaixonado pelo cinema guardava ciosamente cópias raras de filmes importantes.

Esse fato levou-o a ser preso após o golpe militar de 1964, suspeito porque possuía na sua coleção “O Encouraçado Potenkin” de Eiseinstein. Esse filme tinha sido exibido na Associação dos Marinheiros que se rebelaram às vésperas do golpe de 1964. Quando foi afastado da universidade pelo AI5 da ditadura militar, Zieli e eu o convidamos para dar seminários sobre fundamentos da mecânica dos meios contínuos na Coppe, quando era diretor o seu fundador, Alberto Luiz Coimbra, que corajosamente concordou em trazê-lo para a Coppe, onde colaborou por algum tempo e orientou uma tese. Um dos autores de que o Plínio gostava, Truesdell, professor da Universidade Johns Hopkins, tinha estado como visitante na Coppe.

Impedido pelo AI-5 de trabalhar regularmente naquilo que sabia fazer bem – o trabalho acadêmico na universidade – cogitou de voltar à França onde deixara amigos, como Laurent Schwartz, o matemático criador da teoria das distribuições e ganhador da Medalha Fields, professor em Paris onde Plínio estudara, tendo voltado de lá em 1941. Convidado, a saúde impediu-o de ir. Em 1972 faleceu. Era inconformado com o afastamento da Universidade que lhe fora imposto pelo arbítrio de perseguições políticas mesquinhas. Estava sempre acompanhado de ex-discípulos, de ex-colegas e de amigos fiéis que frequentavam sua casa, entre eles o Zieli, eu, Luciano Videira, Jorge André Swieca e Nicim Zaguri, todos estes físicos. Depois juntou-se o Fernando de Souza Barros, que veio fundar a pesquisa em física na UFRJ.

Plínio tinha uma briga antiga na vida acadêmica com o Eremildo Viana, que foi diretor da Faculdade Nacional de Filosofia e alguns amigos atribuem a isto a perseguição que sofreu, já que não era engajado na vida política nem militava na esquerda. Pela fama do Eremildo como direitista- um dos alvos preferido das críticas do Sergio Porto, o qual na imprensa resistia heroicamente contra a ditadura, valendo-se do bom humor – a hipótese é plausível.

Uma curiosidade era o verdadeiro horror que o Plínio tinha da mudança para a Ilha do Fundão, onde ele dizia haver perigo de cobras. O Departamento de Física, desmembrado da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciência e Letras, tinha se tornado o Instituto de Física e deveria se juntar aos demais institutos de ciências básicas no novo campus.

¹ A tese de Plínio Süssekind Rocha – A Mecânica de D’Alembert, sobre o problema da força e dos vínculos, ficou arquivada na antiga Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil por muitos anos, sendo hoje acessível através do google. Fiz uma resenha dela em: Moisés Nussenzveig, Fernando Lobo Carneiro e Luiz Pinguelli Rosa, 300 Anos dos Principia de Newton, Dazibao, 1989

² Vinicius de Moraes, Recordando o Chaplin Club, www.viniciusdemoraes.com.br

Nota da CCom: Dois exemplares da tese  “A Mecânica de D’Alembert, sobre o problema da força e dos vínculos” encontram-se no acervo de obras raras da Biblioteca do IF.  Uma versão digitalizada em PDF pode ser obtida aqui (cortesia da Biblioteca).

 

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