Em operação: experimento CONNIE tem nova tecnologia de sensores para a detecção de neutrinos

Foi dada a largada para uma nova geração de experimentos de física de neutrinos, com tecnologia pioneira e grande protagonismo brasileiro e do IF-UFRJ.

O reator da usina nuclear de Angra 2 hospeda ao seu lado um experimento de física desenhado para testar aspectos das teorias mais fundamentais da natureza. O experimento CONNIE (Coherent Neutrino-Nucleus Interaction Experiment) utiliza uma nova tecnologia para a detecção de neutrinos produzidos no reator e é, atualmente, o único deste tipo em operação no mundo. Seu detector é baseado em CCDs (charge coupled devices, ou dispositivos de carga acoplada), dispositivos capazes de detectar partículas de muito baixa energia. Essa habilidade abre uma nova janela para a pesquisa em física fundamental e aplicada, particularmente para os estudos da interação dos neutrinos.

Com sua operação nos últimos cinco anos, o experimento CONNIE já foi capaz de atingir o recorde mundial em sensibilidade para um experimento de neutrinos. Graças a isso, foi possível estabelecer limites em teorias conhecidas como “além do modelo padrão” da física de partículas. Esses limites são os mais restritivos já obtidos a partir de um experimento de neutrinos de reator em baixas energias.

O próximo passo é aumentar ainda mais a sensibilidade do detector, o que permitirá ampliar a exploração da física da interação de neutrinos e medir, pela primeira vez, o espalhamento coerente dos neutrinos do reator. Esse aumento da sensibilidade será proporcionado pelo emprego de uma nova tecnologia, denominada skipper-CCD e desenvolvida nos laboratórios LBL e Fermilab (EUA), em que é possível baixar enormemente o ruído do sensor. Como isso, ele consegue detectar elétrons individualmente, ou seja, literalmente contar quantos elétrons são gerados no sensor pelas partículas incidentes. Essa característica o torna um “detector quântico” e abre a perspectiva de aplicações em outras áreas de pesquisa fundamental e aplicada em física.

Um sensor skipper CCD e imagem obtida com ele

 

Depois de uma preparação que envolveu um redesenho e upgrade de vários componentes do experimento, os primeiros sensores skipper-CCD foram instalados em CONNIE no final de junho deste ano. Esta é a primeira vez em que um sensor skipper é utilizado em um experimento de neutrinos. Os resultados iniciais foram apresentados em 12 de julho na reunião anual da Rede Nacional de Física de Altas Energias.

A função desses primeiros sensores é validar o seu uso no ambiente de CONNIE e proporcionar uma medida do chamado background, que é causado por ruído eletrônico e por todas as partículas que não interessam ao experimento (como elétrons e fótons). O passo seguinte será instalar sensores bem maiores e em maior número, conformando o upgrade do experimento completo para sua versão skipper. Pode-se afirmar que agora foi atingido o primeiro marco na construção da nova geração de experimentos de neutrinos com skipper-CCD, mais um recorde mundial de CONNIE.

A colaboração CONNIE foi iniciada em 2014 pelo físico Juan Estrada (Fermilab) e conta com cerca de 30 cientistas de Argentina, México, Paraguai e Suíça, além do Brasil e Estados Unidos. A equipe brasileira está atuando em todos os aspectos do experimento, da instalação e operações à análise de dados.

Irina Nasteva comemorando a instalação da eletrônica do detector

As operações de CONNIE são coordenadas pela física Irina Nasteva, do IF-UFRJ. O processo de upgrade que levou à instalação dos skipper-CCDs foi coordenado pela física Carla Bonifazi, também do IF-UFRJ, atualmente em licença na Argentina. O desenho de partes da eletrônica e todos os testes de integração dos sistemas foram feitos por Herman Lima, tecnologista do CBPF. Herman e Irina compuseram a equipe que fez todo o processo de instalação dos skipper-CCDs, que levou dias de trabalho árduo dentro do laboratório na usina. Também participou Aldo Fernandes, físico e professor do CEFET Angra dos Reis, em Mambucaba, próximo à usina. Os estudantes de iniciação científica e de mestrado em física aplicada do IF-UFRJ estão analisando as primeiras imagens do novo detector.

Colocar em funcionamento essa nova fase desse experimento complexo foi, portanto, um esforço internacional com destaque para a participação brasileira.

O maior apoio financeiro ao CONNIE no Brasil vem atualmente de editais da FAPERJ. O apoio da Eletronuclear também tem sido essencial. Além de ceder o espaço para abrigar o experimento, a empresa vem prestando extraordinário apoio provendo infraestrutura, manutenção e recursos humanos que dão apoio ao experimento. Até peças de CONNIE já foram usinadas nas oficinas da Eletronuclear.

O experimento CONNIE após a instalação dos novos sensores, com sua blindagem parcialmente aberta

CONNIE foi o primeiro e, até agora, único experimento de neutrinos com CCDs. Com os novos skipper-CCDs ele passou a ser também o único experimento usando essa tecnologia operando junto a um reator nuclear. Uma vez completada esta etapa de testes, será iniciada a nova fase, que envolve preencher todo o detector CONNIE com novos skipper-CCDs, aumentando em muito a massa do experimento sensível aos neutrinos. Esse upgrade abrirá uma nova janela na detecção de neutrinos e testes do modelo padrão, mantendo CONNIE na ponta dos experimentos de neutrinos de reator de baixas energias.

 

Lista dos participantes brasileiros do experimento CONNIE:
Carla Bonifazi, Irina Nasteva, Ana Carolina Oliveira, Katherine Maslova, Patrick Lemos, Pedro Zilves (IF-UFRJ)
Herman Lima, João dos Anjos, Martin Makler, Philipe Mota (CBPF)
Aldo Fernandes (CEFET – Angra dos Reis)

 

Mais informações:
A. Aguilar-Arevalo et al. (CONNIE collaboration), “Exploring low-energy neutrino physics with the Coherent Neutrino Nucleus Interaction Experiment”, Phys. Rev. D 100, 092005, https://arxiv.org/abs/1906.02200
A. Aguilar-Arevalo et al. (CONNIE collaboration), “Search for light mediators in the low-energy data of the CONNIE reactor neutrino experiment”, JHEP 04 (2020) 054, https://link.springer.com/article/10.1007/JHEP04(2020)054

 

Texto de M. Makler com edição de I. Nasteva e C. Bonifazi