1. Medição da Força de Casimir na Presença de Eletrólitos Utilizando uma Pinça Óptica

    A interação de van der Waals entre superfícies materiais resulta de flutuações quânticas de carga e corrente e está presente em diversos fenômenos físicos e químicos. Quando efeitos de retardamento eletrodinâmico passam a ser relevantes, torna-se necessário utilizar a teoria da eletrodinâmica quântica para descrever esta interação, que passa a ser chamada de interação de Casimir.

    Nos últimos 20 anos, uma série de experimentos de medidas de precisão da força de Casimir motivou o desenvolvimento de novos modelos teóricos mais realistas. Graças à nova abordagem de espalhamento para o efeito Casimir, desenvolvida pelo grupo de Pinças Óticas da UFRJ em colaboração com os grupos de pesquisa do Laboratório Kastler-Brossel da École Normale Supérieure (França) e do Instituto de Física da Universidade de Augsburg (Alemanha), atualmente é possível investigar como a blindagem devido à presença de eletrólitos em solução modifica a interação de Casimir. As previsões desta teoria mostram que a interação de Casimir na presença de eletrólitos decai mais lentamente com a distância do que previsto pela teoria baseada em flutuações eletrostáticas proposta na década de 70.

    Recentemente, pesquisadores do Laboratório de Pinças Ópticas da UFRJ (LPO) utilizaram uma pinça óptica capaz de medir forças na escala do femtonewton (fN) para medir a força de Casimir entre duas microesferas dielétricas imersas em meio eletrolítico, para distâncias na faixa entre 200 e 400 nanômetros. Os resultados experimentais obtidos confirmam as previsões da teoria de blindagem da força de Casimir baseada na abordagem de espalhamento, podendo ter impacto na área de colóides, com suas ramificações em físico-química e biologia molecular, dentre outras áreas.

     

    Texto de Diney Ether e Paulo Américo Maia Neto

     

    Os resultados foram publicados na revista Physical Review Research 3, 033037(2021) e constituem uma colaboração entre os seguintes pesquisadores:

    Luís Barbosa Pires (IF – UFRJ)
    Diney Ether (IF – UFRJ)
    Benjamin Spreng (Universität Augsburg & University of California)
    Gláuber R.S. Araújo (Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho – UFRJ)
    Ricardo S. Decca (Indiana University-Purdue University Indianapolis)
    Rafael S. Dutra (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia)
    Mateus Borges (IF – UFRJ)
    Felipe Siqueira S. Rosa (IF – UFRJ)
    Gert L. Ingold (Universität Augsburg)
    Maria J. B. Moura (PUC – Rio)
    Susana Frases (Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho – UFRJ)
    Bruno Pontes (Instituto de Ciências Biomédicas – UFRJ)
    H. Moysés Nussenzveig (IF – UFRJ)
    Serge Reynaud (Sorbonne Université)
    Nathan Bessa Viana (IF – UFRJ)
    Paulo Américo Maia Neto (IF – UFRJ)

  2. Em operação: experimento CONNIE tem nova tecnologia de sensores para a detecção de neutrinos

    Foi dada a largada para uma nova geração de experimentos de física de neutrinos, com tecnologia pioneira e grande protagonismo brasileiro e do IF-UFRJ.

    O reator da usina nuclear de Angra 2 hospeda ao seu lado um experimento de física desenhado para testar aspectos das teorias mais fundamentais da natureza. O experimento CONNIE (Coherent Neutrino-Nucleus Interaction Experiment) utiliza uma nova tecnologia para a detecção de neutrinos produzidos no reator e é, atualmente, o único deste tipo em operação no mundo. Seu detector é baseado em CCDs (charge coupled devices, ou dispositivos de carga acoplada), dispositivos capazes de detectar partículas de muito baixa energia. Essa habilidade abre uma nova janela para a pesquisa em física fundamental e aplicada, particularmente para os estudos da interação dos neutrinos.

    Com sua operação nos últimos cinco anos, o experimento CONNIE já foi capaz de atingir o recorde mundial em sensibilidade para um experimento de neutrinos. Graças a isso, foi possível estabelecer limites em teorias conhecidas como “além do modelo padrão” da física de partículas. Esses limites são os mais restritivos já obtidos a partir de um experimento de neutrinos de reator em baixas energias.

    O próximo passo é aumentar ainda mais a sensibilidade do detector, o que permitirá ampliar a exploração da física da interação de neutrinos e medir, pela primeira vez, o espalhamento coerente dos neutrinos do reator. Esse aumento da sensibilidade será proporcionado pelo emprego de uma nova tecnologia, denominada skipper-CCD e desenvolvida nos laboratórios LBL e Fermilab (EUA), em que é possível baixar enormemente o ruído do sensor. Como isso, ele consegue detectar elétrons individualmente, ou seja, literalmente contar quantos elétrons são gerados no sensor pelas partículas incidentes. Essa característica o torna um “detector quântico” e abre a perspectiva de aplicações em outras áreas de pesquisa fundamental e aplicada em física.

    Um sensor skipper CCD e imagem obtida com ele

     

    Depois de uma preparação que envolveu um redesenho e upgrade de vários componentes do experimento, os primeiros sensores skipper-CCD foram instalados em CONNIE no final de junho deste ano. Esta é a primeira vez em que um sensor skipper é utilizado em um experimento de neutrinos. Os resultados iniciais foram apresentados em 12 de julho na reunião anual da Rede Nacional de Física de Altas Energias.

    A função desses primeiros sensores é validar o seu uso no ambiente de CONNIE e proporcionar uma medida do chamado background, que é causado por ruído eletrônico e por todas as partículas que não interessam ao experimento (como elétrons e fótons). O passo seguinte será instalar sensores bem maiores e em maior número, conformando o upgrade do experimento completo para sua versão skipper. Pode-se afirmar que agora foi atingido o primeiro marco na construção da nova geração de experimentos de neutrinos com skipper-CCD, mais um recorde mundial de CONNIE.

    A colaboração CONNIE foi iniciada em 2014 pelo físico Juan Estrada (Fermilab) e conta com cerca de 30 cientistas de Argentina, México, Paraguai e Suíça, além do Brasil e Estados Unidos. A equipe brasileira está atuando em todos os aspectos do experimento, da instalação e operações à análise de dados.

    Irina Nasteva comemorando a instalação da eletrônica do detector

    As operações de CONNIE são coordenadas pela física Irina Nasteva, do IF-UFRJ. O processo de upgrade que levou à instalação dos skipper-CCDs foi coordenado pela física Carla Bonifazi, também do IF-UFRJ, atualmente em licença na Argentina. O desenho de partes da eletrônica e todos os testes de integração dos sistemas foram feitos por Herman Lima, tecnologista do CBPF. Herman e Irina compuseram a equipe que fez todo o processo de instalação dos skipper-CCDs, que levou dias de trabalho árduo dentro do laboratório na usina. Também participou Aldo Fernandes, físico e professor do CEFET Angra dos Reis, em Mambucaba, próximo à usina. Os estudantes de iniciação científica e de mestrado em física aplicada do IF-UFRJ estão analisando as primeiras imagens do novo detector.

    Colocar em funcionamento essa nova fase desse experimento complexo foi, portanto, um esforço internacional com destaque para a participação brasileira.

    O maior apoio financeiro ao CONNIE no Brasil vem atualmente de editais da FAPERJ. O apoio da Eletronuclear também tem sido essencial. Além de ceder o espaço para abrigar o experimento, a empresa vem prestando extraordinário apoio provendo infraestrutura, manutenção e recursos humanos que dão apoio ao experimento. Até peças de CONNIE já foram usinadas nas oficinas da Eletronuclear.

    O experimento CONNIE após a instalação dos novos sensores, com sua blindagem parcialmente aberta

    CONNIE foi o primeiro e, até agora, único experimento de neutrinos com CCDs. Com os novos skipper-CCDs ele passou a ser também o único experimento usando essa tecnologia operando junto a um reator nuclear. Uma vez completada esta etapa de testes, será iniciada a nova fase, que envolve preencher todo o detector CONNIE com novos skipper-CCDs, aumentando em muito a massa do experimento sensível aos neutrinos. Esse upgrade abrirá uma nova janela na detecção de neutrinos e testes do modelo padrão, mantendo CONNIE na ponta dos experimentos de neutrinos de reator de baixas energias.

     

    Lista dos participantes brasileiros do experimento CONNIE:
    Carla Bonifazi, Irina Nasteva, Ana Carolina Oliveira, Katherine Maslova, Patrick Lemos, Pedro Zilves (IF-UFRJ)
    Herman Lima, João dos Anjos, Martin Makler, Philipe Mota (CBPF)
    Aldo Fernandes (CEFET – Angra dos Reis)

     

    Mais informações:
    A. Aguilar-Arevalo et al. (CONNIE collaboration), “Exploring low-energy neutrino physics with the Coherent Neutrino Nucleus Interaction Experiment”, Phys. Rev. D 100, 092005, https://arxiv.org/abs/1906.02200
    A. Aguilar-Arevalo et al. (CONNIE collaboration), “Search for light mediators in the low-energy data of the CONNIE reactor neutrino experiment”, JHEP 04 (2020) 054, https://link.springer.com/article/10.1007/JHEP04(2020)054

     

    Texto de M. Makler com edição de I. Nasteva e C. Bonifazi

  3. Artigo da colaboração ALPHA é capa da Nature

    Resfriando a antimatéria: artigo da colaboração ALPHA (Antihydrogen Laser Physics Apparatus), “Laser cooling of antihydrogen atoms”, é capa da renomada revista Nature em abril.

    Os professores Cláudio Lenz Cesar, Daniel de Miranda Silveira e Rodrigo Sacramento assinam o artigo. Além dos três professores, Álvaro Nunes de Oliveira, pesquisador do INMETRO e ex-estudante de doutorado do IF–UFRJ, compõe o time de brasileiros no ALPHA.

    Confira o texto de C. L. Cesar explicando o assunto.

    “Enquanto a teoria da eletrodinâmica quântica calcula acertadamente os níveis de energia no (anti)átomo de hidrogênio com 12 algarismos significativos, a Física desconhece ‘detalhes’ como 95% da composição do Universo, as tais matéria e energia escuras, e o porquê da ausência de antimatéria primordial no Universo.”

    Veja o artigo “C. Baker, et al., Laser cooling of antihydrogen atoms. Nature 592, 35 (2021)” com acesso livre aqui.

  4. Entrevista com Ildeu de Castro Moreira

    Antes mesmo de começarmos as perguntas, ele agradeceu…

    (Ildeu) Agradeço a vocês pela gentileza da entrevista e os parabenizo pela iniciativa de estimular a comunicação do IF (Instituto de Física – UFRJ). Um desafio adicional, que vocês me proporcionaram, foi o de tentar responder a série de perguntas complexas e difíceis que vocês me fizeram aqui! Como só posso responder com muitas limitações próprias, já me desculpo a priori por elas.

     

    (CCom) Qual o principal desafio de um defensor da ciência no Brasil?

    (Ildeu) Fiquei contente pela premiação recebida, que resulta da atuação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC. Mas duas reflexões me vieram à mente, uma vez que essa titulação individual não me parece muito apropriada. A primeira é que o mérito dela deve ser compartilhado com muita gente da SBPC e de outras sociedades científicas, e com um grande número de pesquisadores, professores e estudantes, que lutam cotidianamente para defender e praticar a ciência. E praticá-la bem é uma forma essencial de defendê-la. A segunda é torcer para que a premiação possa ser desnecessária um dia, porque a ciência estará valorizada e desenvolvida o suficiente em nosso país para não precisar mais de defensores. Talvez o principal desafio, não meu, mas de todos nós, seja fazer com que a ciência se estabeleça de fato no Brasil. Desafio grande, a exigir muita gente e tempo, para as próximas décadas vindouras. Mas importante é prosseguir nesta senda. Precisamos empolgar os jovens nesta direção e conquistarmos para nossa causa milhões de brasileiros, que não constituem o 1% (um por cento) privilegiado que tem mandado de fato e demonstrado sua insensibilidade, mas que deveriam tomar os rumos do país em suas mãos e construir um projeto de país diferente e muito melhor, no qual a ciência e a educação tivessem um lugar de destaque.

     

    (CCom) Ildeu, num país deteriorado socialmente como o Brasil, como convencer o cidadão que ciência é importante? Aliás, ciência é importante?

    (Ildeu) É importante. Não sei bem o que se quer dizer com “país deteriorado socialmente”. Como convencer a pessoa? Mostrando para ela – via educação escolar e via divulgação científica – que a ciência importa, e muito, para a vida de cada um e para a coletividade. Não só economicamente, mas também culturalmente. E, também, fazendo com que a Ciência e Tecnologia – C&T produzida contribua, de fato, para a melhoria da vida das pessoas e para o país avançar.

     

    (CCom) Qual o principal problema da ciência no Brasil? E qual a solução?

    (Ildeu) Cada pessoa que reflete sobre isto tem ideias sobre qual seria o problema (ou os problemas) mais importante (s). Possivelmente muitos terão razão, porque o que não nos falta são problemas graúdos. Neste momento, a questão emergencial, a meu ver, é reverter o processo de desmonte da ciência brasileira que estamos vivendo, com reduções absolutamente drásticas de recursos. Não só da C&T, evidente; a desconstrução é bem mais ampla. Quanto a problemas estruturais permanentes posso citar três que me parecem cruciais:

    (1) melhorar significativamente a educação básica, em particular a educação em ciências;

    (2) diminuir a burocracia, que é um empecilho muito grande para a ciência e para a inovação;

    (3) integrar as políticas de C&T dentro de um projeto nacional que busque desenvolver sustentavelmente o país, aproveitar suas potencialidades, estimular a inovação tecnológica e a inovação social, e reduzir nossas imensas desigualdades sociais e econômicas.

    Solução eu não tenho. Mas intuo que só se pode chegar lá com a atuação de muita gente e o envolvimento/participação de uma parcela significativa dos brasileiros. Entre os quais os pesquisadores, professores e estudantes têm um papel de destaque. E devem assumi-lo.

     

    (CCom) Você acha que o “jeitinho brasileiro” ajuda ou atrapalha no fazer científico?

    (Ildeu) Não sei. Mesmo porque não sei bem com qual conotação o termo foi aqui utilizado. Pode ser criativo, o que é muito bom para o fazer científico. Fazer gambiarras inteligentes e inovar mesmo em ambientes inóspitos, como muitas vezes os brasileiros se distinguem. Se for visto como um jeito para escamotear as coisas, com um caráter de enganação implícito, como ocorre com frequência em meios políticos e de poder, pode não funcionar porque a ciência tem um pré-requisito fundamental: há que combinar com a natureza, e ela parece que não é chegada a “jeitinhos”. E como a ciência é uma atividade humana, é importante também que ela se mova por parâmetros éticos, que o “jeitinho” deve respeitar.

     

    (CCom) Qual sua opinião sobre fazer divulgação científica?

    (Ildeu) É muito importante que a comunidade científica e acadêmica a faça. Este compartilhamento do conhecimento com a sociedade é, e Einstein dizia isto em 1924, uma obrigação social da ciência e dos que a praticam. Não necessariamente cada pesquisador ou estudante tem de fazer divulgação, mas é essencial que as universidades e instituições de pesquisa a valorizem, estimulem e pratiquem. O IF, e isto é um mérito histórico importante, trouxe contribuições significativas para a divulgação científica no Rio e no Brasil, em vários momentos nas últimas décadas. Mas há que valorizar bem mais este tipo de atividades institucionalmente, mantida a preocupação com a qualidade, que deve estar sempre presente na pesquisa, no ensino e na extensão. Se a instituição não o fizer adequadamente, isto atrapalha; mas as pessoas aficionadas, em particular os jovens, continuarão a fazer assim mesmo, porque achamos importante e gostamos de fazê-lo.

     

    (CCom) Cargos importantes na estrutura administrativa dos setores de educação, ciência e cultura vêm sendo ocupados por autodeclarados criacionistas, negacionistas, revisionistas etc. O que você acha disso? Como trazê-los para o debate científico? Há espaço para o debate?

    (Ildeu) No geral, sim, e devemos utilizá-lo. A ciência não pode ser vista como uma estrutura dogmática. Ela se escora na curiosidade, na dúvida, no questionamento permanente, no debate aberto de ideias. Não pode ser confundida com crença religiosa, porque não o é. Acho que devemos debater e tentar convencer a todos que pensam ou que têm visões, às vezes, deturpadas sobre o que é a ciência e de como o conhecimento científico é construído. Já tive debates ou embates interessantes com criacionistas, por exemplo, ou pessoas que acreditam em horóscopos ou superstições várias. Acho importante tentar entender as razões históricas, filosóficas, visões de mundo, concepções religiosas que estão por trás dessas concepções. A história da ciência nos mostra que seu caminho é tortuoso e os indivíduos que a constroem estão também imersos em seu tempo e nas visões da época. Basta lembrar Newton. É importante também não se construir uma imagem idealizada da ciência como se fosse necessariamente a “verdade absoluta” e intrinsecamente neutra. Ou seja, defendo que discutamos com (quase) todos e respeitemos as pessoas. Isto é importante inclusive no trabalho de convencimento, assim como discutir também o contexto de produção da ciência, os fatores que a influenciam, seus usos e desusos.

    Agora há uma parcela de pessoas na sociedade, que acho que apesar de barulhenta e vociferante é diminuta, que adere a posições negacionistas por ideologia e com posturas claramente fascistas, às vezes escoradas também em interesses econômicos, e que se opõem frontalmente ao conhecimento científico. Com estes é muito difícil o debate de convencimento. Nesse caso, há que vencê-los mais do que convencê-los. Veja que há vários tipos de negacionismos: o terraplanismo geográfico, que amassa a Terra; o negacionismo científico, que abarca várias dimensões; o negacionismo sanitário, com implicações sérias na pandemia; o terraplanismo econômico vigente, uma visão extremamente redutora e geradora de privilégios, que coloca “Mercado”, “ajuste” e “equilíbrio” fiscal acima de qualquer coisa, até da vida dos brasileiros e das evidências econômicas. Esses negacionismos também matam.

     

    (CCom) Como você avalia a condução do atual governo com respeito ao financiamento de pesquisa científica? Temos sofrido derrotas no congresso, por exemplo, o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT. Qual o papel da sociedade nisso tudo? E o que a sociedade pode fazer pra ajudar? Recebemos campanhas, pedidos para envio de e-mails a deputados, manifestações virtuais, etc? Isso não é enxugar gelo? Um deputado realmente “ouve” esses pedidos?

    (Ildeu) Vou separar as perguntas, porque me parece que misturam algumas coisas de natureza diversa.

    “Como você avalia a condução do atual governo com respeito ao financiamento de pesquisa científica?”

    Péssima.

    “Temos sofrido derrotas no congresso, por exemplo, o contingenciamento do FNDCT”:

    Esta informação não está correta. A gente teve uma vitória importante e expressiva na votação que derrubou o veto do Presidente da República que mantinha a Reserva de Contingência deste fundo, desviando 90% (noventa por cento) dos seus recursos para outras finalidades que não Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I. Só que o governo, com a conivência aparente de parte dos parlamentares, ainda insiste em não liberar os recursos, mesmo com a lei aprovada. Por isto, continuaremos batalhando.

    “Qual o papel da sociedade nisso tudo? E o que a sociedade pode fazer para ajudar?”

    Pode ajudar de várias formas, uma delas é participando das entidades da sociedade civil, como sociedades científicas de sua área, associações de estudantes e de professores, conselhos profissionais, sindicatos, etc. Debater com os colegas, sugerir ideias, difundir informações qualificadas, usar as redes sociais para informar e mobilizar pessoas, participar e organizar manifestações coletivas (nestes momentos virtuais, mas daqui a algum tempo não mais). A sociedade civil brasileira é frágil, por isto sofremos tantas derrotas e tantas imposições de autoridades que respondem a uma parcela muito pequena de poderosos. Basta ver, por exemplo, o processo de organização e participação social e política em alguns países europeus avançados socialmente para entender porque a qualidade de vida lá é bem melhor e com desigualdades muito menores.

    “Recebemos campanhas, pedidos para envio de e-mails a deputados, manifestações virtuais, etc? Isso não é enxugar gelo? Um deputado realmente “ouve” esses pedidos?”

    Não acho que seja “enxugar gelo” embora muitas vezes fracassemos em nossas demandas e lutas. Em alguns momentos tivemos vitórias importantes com a nossa mobilização. Por exemplo, quando levamos ao Congresso, em 2019, um milhão de assinaturas contra a extinção do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e em defesa do recurso para pagar as bolsas, isto fez diferença e ganhamos aquela batalha específica. O presidente da Câmara nos recebeu, assim como lideranças de quase todos os partidos, inclusive da base do governo e buscaram uma solução em função da pressão política exercida. O mesmo ocorreu recentemente com a batalha peço FNDCT. Mas, claro, há que se construir força política para mudar as coisas e isto não se faz de uma hora para outra ou com pouca gente. Estamos permanentemente e há anos atuando no Congresso Nacional. Podem ter certeza que os deputados “ouvem” muitos pedidos. São hábeis nisto. Só que uma grande parte decide em prol dos que falam mais alto. Podem colocar vários sentidos neste “alto”. Um deles é o sonante tradicional.

     

    (CCom) Você não acha que a intelectualidade brasileira está inerte e, principalmente, com medo de reagir aos assombros de um governo de direita? Não estamos todos muito quietos, Ildeu?

    (Ildeu) Estamos. Se estivéssemos mais atuantes e a situação não teria chegado aonde chegou, com o descalabro na condução da pandemia, da economia e das questões sociais. A intelectualidade, os artistas, cientistas, professores, estudantes, servidores públicos e outros profissionais têm um papel importante claro e devem se organizar, manifestar e atuar para resistir a esta onda forte de extrema-direita e de desconstrução do país. Mas há outros setores sociais igualmente importantes que estão muito quietos, por razões às vezes fortes e repressões variadas, como trabalhadores, empresários, profissionais liberais, pessoal do campo, etc. É importante lembrar também que este processo não começou agora e que o autoritarismo e a faceta antidemocrática têm uma raiz profunda na história do país. E não basta dizer “BASTA” isto ou aquilo para a grande maioria da população que está vivendo em situações dificílimas, embora a resistência seja obviamente importante. Há que dizer também o que se deve fazer para superar as graves crises nas quais estamos imersos. E convencer as pessoas, em um momento de desesperança, que podemos mudar as coisas. Principalmente se estivermos atuando de forma mais integrada e coletiva.

     

    (CCom) O Brasil tem cinco Copas do Mundo e nenhum prêmio Nobel. Não temos capacidade para tal? Onde erramos?

    (Ildeu) Acho que usar o indicador de se ter ou não prêmio Nobel (PN) é uma visão parcial para traduzir a capacidade científica de um país. É um prêmio evidentemente muito importante (em particular nas áreas de Física, Química, Medicina e Fisiologia); porém ficou um pouco defasado no tempo, porque a ciência mudou muito nos últimos 120 anos. Ela é um empreendimento cada vez mais coletivo e menos individualizado. Veja por exemplo como funcionam os grandes laboratórios de física e as cooperações em pesquisa no mundo inteiro, que envolvem muita gente. Uma pequena correção: temos um prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia que nasceu em Petrópolis, em 1915; foi educado, é verdade, na Inglaterra, para onde foi quando era ainda criança, mas com o dinheiro dos cariocas que compravam objetos na Ótica Inglesa, propriedade de seu pai por décadas. No Museu Nobel em Estocolmo está escrito: Peter Brian Medawar, nascido no Rio de Janeiro (erradamente porque foi em Petrópolis). Foi um extraordinário cientista, escritor e divulgador da ciência. Também tivemos brasileiros premiados no Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC, há alguns anos. Tivemos outros indicados com méritos para receber o PN, com certeza, como foi o caso de Cesar Lattes e Carlos Chagas, mas fatores diversos não o permitiram. E o Artur Ávila, que estudou na UFRJ, é Medalha Fields de matemática.

    Para contestar um pouco mais a “síndrome do Prêmio Nobel”: quantos PN tem a China, hoje o segundo país do mundo em avanço científico e caminhando celeremente para ultrapassar os EUA? Apenas seis, ou seja, muito menos que a Austrália ou a Polônia. A Coreia do Sul tem apenas um PN, e da Paz. Não acho que seja um indicador preciso de avanço científico, embora retrate certamente contribuições individuais extremamente expressivas. Até a II Guerra Mundial fazia até mais sentido pelo tipo de produção da ciência existente. Mas como o PN mensura a ciência atualmente? A Argentina tem 5 (cinco) PN. Será que a ciência argentina é hoje tão melhor que a brasileira? Outra constatação: a Alemanha teve, até 1933, 38 (trinta e oito) PNs. Isto não impediu que o país fizesse uma escolha negacionista em vários aspectos, inclusive genocida, que levou milhões de pessoas à morte e à bancarrota do próprio país. Não vou mencionar os PNs da Paz e da Economia porque suas escolhas são particularmente eivadas de fatores ideológicos e políticos. Quem está crescendo enormemente na economia mundial? Vocês conhecem algum PN de economia que seja chinês ou coreano?

    Insisto que não quero diminuir a importância do Prêmio Nobel, mas apontar que, sendo um prêmio de destaque para cientistas individuais, é apenas um indicador parcial de avanço científico e deve ser considerado com um grão de sal ao se comparar a ciência dos países.

    Na comparação com a Copa do Mundo, é bom lembrar que o país tem (ou tinha) campos de futebol espalhados por todos os cantos de seu território, nas escolas, favelas, cidades do interior e vilarejos rurais. Mas quantas escolas e espaços equipados com bibliotecas, com laboratórios, com microscópios e lunetas, com computadores e internet, com professores bem preparados nós temos?

     

    (CCom) Como um teórico do Caos, o Brasil está perdido?

    (Ildeu) Não acho que esteja perdido, de nenhum modo. Tem um potencial imenso em sua gente, em sua natureza e em seu território. O futuro não está dado e a gente contribui decisivamente para a sua construção. Lembro-me da expressão famosa de Dennis Gabor, prêmio Nobel de Física de 1971, pela invenção e aperfeiçoamento da holografia; “o futuro não pode ser previsto, mas futuros podem ser inventados.” É isto, há muitos futuros que podem ser inventados/construídos. Qual se realizará nestas bandas, depende de nossa vontade e de nossas ações. Como mineiro, não posso deixar de registrar o que profetizou Carlos Drummond de Andrade na mesma linha gaboriana: “– Ó vida futura! Nós te criaremos.” Trabalhei, anos atrás, com aspectos da teoria de sistemas não lineares, casos não-integráveis, que recebeu a designação genérica de “teoria do caos”. Mas acho que as teorias físicas, mesmo que possam estimular algumas ideias e analogias, não dão, nem de longe, conta da complexidade dos fenômenos sociais, em particular da situação brasileira. A física trabalha com modelos simplificados, e este é uma das razões de seus êxitos preditivos, e a sociedade humana é um sistema hipercomplexo. Com nossa mistura de culturas, de dominações, de violência, de explorações as mais diversas, com nossa diversidade e com a história multifacetada do país, talvez nem uma TGZ – Teoria Geral da Zorra – dê conta. Mas, nesta veia humorística, talvez seja bom relembrar o Barão de Itararé: “O Brasil é feito por nós. Está na hora de desatar esses nós.”

    A entrevista continua na página 2.

  5. GRADUAÇÃO: Apoio Pedagógico Física – 2020/2 – Inscrições para alunos matriculados na disciplina de Física 1

    Apoio Pedagógico Física – 2020/2

    As atividades do apoio pedagógico física para os alunos que estão cursando Física 1 em 2020/2 serão realizadas em caráter remoto, a partir do dia 22/03.  Os alunos interessados devem preencher o formulário de inscrição disponível em

    http://bit.ly/apoiofisica-202

    As atividades terão início em um momento síncrono, às 10 horas do dia 22/03 (o link está ao final do formulário).  Os monitores e professores estarão presentes.