Em 23 de março de 2021 a Colaboração LHCb anunciou um novo resultado que, se confirmado, sugere violação do Modelo Padrão da física de partículas. O anúncio foi feito na conferência de Moriond em interações eletrofracas e teorias unificadas, assim como em um seminário realizado online no CERN, o Laboratório Europeu para a Física de Partículas. O resultado, que foi obtido com todos os dados do experimento coletados até hoje, foi submetido à revista Nature Physics.
A medida de Rk feita pela colaboração LHCb (Large Hadron Collider beauty experiment) consiste de uma razão entre as probabilidades de dois tipos de decaimento de quarks do tipo beauty. O primeiro decaimento do méson B+ se dá em um káon e um par de elétrons (B+K+e-e+) e o segundo em um káon e um par de múons (B+K+-+). O elétron e o múon, juntos com uma terceira partícula chamada tau, são os 3 tipos de léptons carregados conhecidos até hoje, que diferem apenas pela massa. O múon é cerca de 200 vezes mais pesado que o elétron. Dizemos que cada um deles tem o seu próprio “sabor”. Segundo o Modelo Padrão de física de partículas, decaimentos que diferem apenas pelo sabor dos léptons, como esse no estudo do LHCb, devem ocorrer com a mesma probabilidade, uma característica conhecida como universalidade leptônica. No Modelo Padrão de física de partículas, a razão Rk deveria ser bem próxima de um.
O novo resultado de Rk mostra evidências de um desvio do valor previsto pelo Modelo Padrão: a significância estatística do desvio é de 3.1 desvios-padrão, o que implica em uma probabilidade em torno de apenas 0.1% de que os dados sejam compatíveis com a previsão do Modelo Padrão. Embora seja cedo ainda para tirar conclusões definitivas, o desvio apresentado em Moriond é consistente com o padrão de anomalias medidas em processos similares pelo LHCb e outros experimentos pelo mundo na última década, ainda que nenhum deles tenha sido tão significativo quanto esse. Caso se confirme, a violação da universalidade leptônica pode ser o primeiro sinal da existência de novas partículas e interações.
Esse resultado de Rk certamente estimulará mais esforços experimentais e teóricos. Em breve, o LHCb irá anunciar resultados de razões semelhantes envolvendo outros decaimentos de mésons B. Essas medidas serão peças adicionais do quebra-cabeças para entender se de fato estamos observando um efeito novo. Planeja-se que o experimento LHCb comece a coletar novos dados no ano que vem, após uma atualização do detector, permitindo melhorar a precisão das medidas de Rk e outras razões semelhantes. O experimento Belle II no Japão também pode realizar medidas similares.
O experimento LHCb é um dos quatro grandes experimentos do Large Hadron Collider no CERN, situado no subterrâneo da fronteira Franco-Suíça próximo de Genebra. O experimento é desenhado para estudar decaimentos de partículas contendo quarks pesados, como um quark beauty ou charm, e procurar por sinais de Física além do Modelo Padrão em processos raros destes decaimentos e assimetrias de carga-paridade. Além disso, permite a realização de uma série de outras medidas relacionadas com a determinação precisa de parâmetros do Modelo Padrão.
O Laboratório de Partículas Elementares do IF/UFRJ participa da Colaboração desde a sua proposta técnica em 1998. Dentre as diversas contribuições do grupo para o experimento, destaca-se a participação e papel de responsabilidade que o grupo exerceu durante anos na concepção dos detectores de múons e na identificação online e offline de múons. Atualmente, as contribuições do grupo estão mais relacionadas tanto com a reconstrução como com a análise de dados envolvendo decaimentos hadrônicos de mésons B e D e de jatos.
Fonte: http://lhcb-public.web.cern.ch/