O Prêmio Nobel de Física de 2021: Sistemas Complexos

“Penso que o próximo século será o século da complexidade.”
Stephen Hawking

O prêmio Nobel de Física deste ano agraciou três pesquisadores pelas suas contribuições inovadoras à compreensão dos sistemas complexos. Esse prêmio representa um reconhecimento extraordinário para pesquisas que têm se mostrado relevantes também para outras ciências, além da Física e, ainda mais importante, para problemas atuais das nossas sociedades.

Apesar de ainda não termos uma definição rigorosa, podemos dizer que os sistemas complexos são sistemas compostos por um grande número de componentes, geralmente simples, que interagindo numa certa escala auto-organizam-se, gerando comportamentos inesperados e estruturas coletivas numa escala maior. Tais propriedades macroscópicas não podem ser entendidas ou previstas simplesmente a partir de uma agregação estatística ingênua das características dos seus componentes fundamentais.

Metade do prêmio foi para Syukuro Manabe e Klaus Hasselmann. Em conjunto, os trabalhos desses dois pesquisadores permitiram provar que o incremento da temperatura atmosférica se deve às emissões de dióxido de carbono, deixando em evidência o impacto das atividades humanas. Mas especificamente, Syukuro Manabe foi o pai dos modelos climáticos enquanto que Klaus Hasselmann mostrou como tais modelos podem ser confiáveis apesar do comportamento cambiante e caótico do tempo. Hasselmann também desenvolveu métodos que permitem diferenciar os efeitos originados por processos naturais dos causados pelo ser humano.

A outra metade do prêmio foi para Giorgio Parisi. Entre suas inúmeras contribuições, os trabalhos que mais tiveram relevância para o recebimento do prêmio foram aqueles na área de vidros de spin. Esse termo foi introduzido pelos físicos estatísticos nos anos 70, para indicar modelos de sistemas magnéticos desordenados. A descrição desses sistemas levou a introdução de simples modelos de spins com interações representadas por variáveis aleatórias. A solução desses modelos tem gerado vários desafios, os quais G. Parisi enfrentou pela introdução do esquema de quebra da simetria de réplica. Esse esquema teve numerosas implicações, como a existência de uma grande variedade de estados estáveis com uma estrutura ultra-métrica no espaço de fase.

Esses resultados têm produzido, em cascata, extensões a uma grande variedade de problemas, seja na física ou em outras áreas do conhecimento, e a riqueza das interações desses trabalhos tem mostrado a natureza intrinsecamente interdisciplinar dos estudos dos sistemas complexos. Entre os sistemas físicos podemos lembrar: o estudo dos vidros estruturais, do “jamming” para esferas duras e da turbulência. Importantes também são os impactos na área experimental em matéria granular, em vidros coloides e em sistemas ópticos. No caso de sistemas não físicos as aplicações foram em redes neurais, no processamento de informação e em problemas de otimização. O impacto na biologia foi importante: na evolução molecular, na dinâmica de sistemas adaptativos e no estudo do comportamento coletivo em movimentos de animais, como também no papel das flutuações no controle dos estados climáticos da terra.

No nosso instituto, sistemas complexos são estudados pelo Prof. Marcelo Byrro Ribeiro, ativo na área de Econofísica e autor do livro [1]. A interface física-biologia é tema de pesquisa do Prof. Bruno Coelho César Mota, por exemplo, estudando como a forma fractal do córtex cerebral dos mamíferos é uma consequência emergente universal da conectividade e das propriedades mecânicas dos neurônios que o compõem [2].

O grupo formado pelos professores Alexis e Edgardo tem analisado Sistemas Tecno-Sociais para descrever mecanismos de formação de opinião [3], assim como processos de difusão da informação [4] e morfologias urbanas [5]. Além disso, tem especial interesse na utilização de algoritmos de busca e recomendação como ferramentas para aprimorar o funcionamento da democracia na era digital [6]. Outra área de atuação são sistemas biológicos com estudos de ecologia do movimento e padrões espaciais [7], dinâmica de populações [8] e comportamentos coletivos de enxames [9]. Na área de sistemas econômicos tem trabalhado com mercado de cryptomoedas [10]. Essas pesquisas são realizadas com o desenvolvimento de modelos teóricos, seja analíticos ou numéricos, e com a análise de dados empíricos. Para concluir, nesse semestre está sendo ministrada, pela primeira vez, a disciplina de Tópicos em Sistemas Complexos na Pós-graduação Multidisciplinar em Física Aplicada.

 

Texto de Alexis Hernandez Nuñez e Edgardo Brigatti

 

[1] https://www.cambridge.org/it/academic/subjects/physics/econophysics-and-financial-physics/income-distribution-dynamics-economic-systems-econophysical-approach?format=HB&isbn=9781107092532
[2] https://www.science.org/doi/abs/10.1126/science.aaa9101
[3a] https://journals.aps.org/pre/abstract/10.1103/PhysRevE.94.052308
[3b] https://doi.org/10.1016/j.physa.2018.06.023
[3c] https://doi.org/10.1103/PhysRevE.103.062306
[4] https://arxiv.org/abs/2102.00099
[5] https://arxiv.org/abs/2108.05550
[6a] https://doi.org/10.1371/journal.pone.0222945
[6b] https://doi.org/10.1098/rsos.172265
[7] https://www.nature.com/articles/s41598-019-39045-0
[8] https://www.nature.com/articles/srep19553
[9] https://doi.org/10.1371/journal.pone.0094221
[10] https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs13538-020-00846-8