O teorema de Williamson na mecânica clássica, quântica e estatística

Após o desenvolvimento da teoria Lagrangiana para o movimento, os livros tradicionais de mecânica clássica dispõem de um capítulo exclusivo para o tema oscilações. Neste capítulo a função Lagrangiana de um sistema genérico é aproximada, utilizando uma expansão, por uma Lagrangiana quadrática nas coordenadas generalizadas e suas variáveis conjugadas que, sob certas condições, resultam em oscilações. Em seguida, partem para a Mecânica Hamiltoniana, onde o assunto oscilações é esquecido, ou ainda, postergado para ser analisado sob a complexa ótica de Hamilton-Jacobi.

O teorema de Williamson é um resultado matemático que trata da diagonalização de matrizes por meio de uma transformação simplética, ou seja, uma transformação canônica linear. No contexto das oscilações, ele resolve o problema no cenário de Hamilton, onde a transformação simplética move as coordenadas do espaço de fase original para as coordenadas dos modos normais de oscilação e a diagonalização mencionada determina as frequências destes modos. Em resumo, o teorema oferece condições necessárias e suficientes para prever se determinado sistema mecânico genérico (com qualquer número de graus de liberdade) comportar-se-á como um conjunto de osciladores e ainda dá a receita para a construção dos modos normais de oscilação. Este é o principal mote do trabalho recentemente publicado no “American Journal of Physics” [1].

Ocorre que a mecânica quântica dos sistemas oscilatórios, sob o quadro de Heisenberg, é sem exagero idêntica à clássica [2]. Esta identidade se manifesta através das equações de movimento para os operadores de posição e momento que são iguais às equações clássicas de Hamilton. Portanto, após uma introdução ao formalismo simplético na mecânica quântica, o teorema é aplicado ao estudo dos sistemas oscilatórios quânticos e as mesmas condições necessárias e suficientes são reproduzidas.

Sistemas termicamente estáveis são aqueles que ao receberem ou cederem calor sofrem, respectivamente, aumento ou decréscimo de temperatura; matematicamente esta propriedade se manifesta quando a capacidade térmica do sistema é positiva. Um resultado comum dos livros de mecânica estatística mostra que um sistema físico descrito por um conjunto de osciladores independentes é deste tipo. Mais uma vez o teorema mostra-se útil, quando este resultado é estendido para toda a classe de sistemas oscilatórios, o que incluem os sistemas acoplados com número de graus liberdade genéricos. Outra propriedade interessante destes sistemas, obtida, através do teorema, é que a mecânica estatística (clássica ou quântica) dos sistemas estáveis retém as propriedades simpléticas [3], o que se manifesta, por exemplo, na invariância simplética de quantidades termodinâmicas, tais como capacidade térmica, entropia, energias-livre etc.

Tecnicamente, o teorema trata da diagonalização simplética de matrizes quadradas de dimensão par e positivas-definidas. Como num processo de diagonalização ordinário, quantidades invariantes – autovalores, autovetores, traços e determinantes – vêm à tona e acabam por determinar o comportamento do sistema original, ou pelo menos, auxiliar em sua compreensão. Como o teorema trata de uma diagonalização simplética, este é adequado ao espaço de fase, ou ainda, à mecânica, onde a conexão com teorema ocorre quando identifica-se a matriz Hessiana da Hamiltoniana como positiva-definida e as estruturas (simpleticamente) invariantes revelam-se.

Os exemplos mencionados neste texto são extensões de sistemas paradigmáticos d’um curso de física, posto que a publicação tem caráter pedagógico e almeja incentivar o uso desta ferramenta por estudantes e professores em suas disciplinas. Contudo, o teorema mostra-se útil em contextos diversos e mais modernos, por exemplo, o estudo de relações de incerteza, emaranhamento e, sobretudo, geometria simplética, da qual o teorema é fruto.

 

Texto de Fernando Nicacio

 

[1] F. Nicacio, “Williamson theorem in classical, quantum, and statistical physics”, American Journal of Physics 89, 1139 (2021). (revista)(arxiv)
[2] Em verdade, para qualquer Hamiltoniana quadrática nas posições e nos momentos, que tem os osciladores como caso particular, as equações de movimento de Heisenberg são idênticas às clássicas e, surpreendentemente, a estrutura simplética do espaço de fase manifesta-se igualmente nos operadores de posição e momento.
[3] Como na nota acima, a mecânica estatística e a termodinâmica de qualquer Hamiltoniana quadrática retém a simetria simplética do espaço de fase. Este resultado é fruto de outro trabalho do autor, que em verdade foi a fagulha para o comentado neste texto, a saber “Weyl-Wigner Representation of Canonical Equilibrium States”, J. Phys. A: Math. Theor. 54, 055004 (2021).
[4] Note que a dimensão da matriz Hessiana é par, já que o número de coordenadas do espaço de fase também o é.