Física Aplicada Interdisciplinar

O avanço das fronteiras das ciências tem exposto cada vez mais a natureza complexa de alguns problemas não só entre disciplinas próximas pertencentes à mesma área do conhecimento, mas também entre disciplinas de áreas diferentes. Isso exige novas formas de produção de conhecimento em assuntos cujos temas de investigação são fenômenos que se colocam em fronteiras disciplinares e onde a natureza híbrida do problema requer diálogo entre as disciplinas e além delas. Tal situação impõe desafios teóricos e práticos para diferentes campos da ciência e da tecnologia, desafios esses caracterizados pela inter e multidisciplinaridade.

O Instituto de Física da UFRJ tem em seus quadros vários docentes e grupos ativos de pesquisa que seguem uma perspectiva efetivamente interdisciplinar. Assim, novas áreas de interface científica e tecnológica se abrem por meio de aplicações dos métodos da física aos mais diversos tipos de problemas científicos e tecnológicos. As áreas gerais em que se concentram as
aplicações interdisciplinares da física dentro do IF-UFRJ são: física médica e biológica; ciência dos materiais e intrumentação; modelagem computacional e sistemas complexos.

A ciência dos materiais está centrada em acompanhar a corrida para a inovação tecnológica. No magnetismo, um dos eixos mais importantes de desenvolvimento tecnológico é a spintrônica. Outro é o uso de nanopartículas magnéticas para aplicações em biologia e medicina. No domínio dos semicondutores, entre os temas mais importantes estão os detectores infravermelhos e as células solares.

Os dispositivos semicondutores estão em contínua renovação. Os detetores de infravermelho em desenvolvimento serão utilizados em diferentes aplicações civis tais como imageamento termal, detecção de gases como CO2 e H2S e de
proteínas dissolvidas em água, além de aplicações militares. A pesquisa com células solares ocorre em linhas de pesquisa distintas que visam o aumento da eficiência do dispositivo para aplicação doméstica ou aeroespacial.

A spintrônica se baseia na dependência da corrente não apenas na carga do elétron como no seu spin e é fundamental para a construção de sensores de campo magnético ultra sensíveis e de dimensões nanométricas. A aplicação mais importante desses sistemas é na leitura/gravação dos discos rígidos dos computadores. Muita pesquisa está sendo realizada no desenvolvimento de memórias aleatórias magnéticas. A possibilidade de guardar a memória das operações elementares o mais próximo possível do lugar de sua realização poderá revolucionar os novos computadores.

Nanopartículas magnéticas por sua vez são muito importante para diversas aplicações em medicina e em biologia: agente de contrastes em MRI, vetores de transportes de medicamento ou de espécies biológicas.

A instrumentação deve ser vista em conexão estreita com o desenvolvimento de novos materiais e dispositivos associados pois o desenvolvimento de novos materiais requer novos sistemas de elaboração e instrumentos cada vez mais sofisticados para a análise de suas propriedades físicas. Então, em qualquer ramo da ciência a instrumentação científica é um dos pilares para a investigação experimental. A maioria dos resultados experimentais e processos tecnológicos são obtidos com o auxílio de instrumentos que permitem quantificar, direta ou indiretamente, as propriedades observadas. É a contínua evolução tecnológica aplicada ao desenvolvimento de novos instrumentos e métodos de medidas que pode auxiliar na descoberta ou explicação de novos fenômenos.

A tecnologia de feixes de partículas carregadas tem sido largamente empregada na indústria, onde equipamentos contendo feixes de elétrons ou íons são utilizados para limpeza de superfícies, soldagem e na preparação de semicondutores. Uma das principais vantagens das técnicas envolvendo partículas carregadas sobre as técnicas convencionais envolvendo fótons é a não limitação da resolução das imagens pelo comprimento de onda da luz utilizada.

Partículas com elétrons e pósitrons de alta velocidade possuem comprimentos de onda muito menores do que a da luz, tornando assim possível o estudo de estruturas menores do que a escala atômica e constituindo uma ferramenta importante em diversas áreas do conhecimento e aplicações tecnológicas.

Pesquisadores Envolvidos:

Angelo M. Gomes, Antonio Carlos dos Santos, Benjamin Rache Salles, Carla Bonifazi, Daniel de Miranda Silveira, João Torres de Mello Neto, Kazuyoshi Akiba, Mauricio Pamplona Pires, Miguel Novak, Simone Coutinho Cardoso, Vitoria Barthem, Wania Wolff,

As áreas de física médica e biológica foram criadas para atender à crescente demanda de solução para novos problemas de medicina, biologia e engenharia biomédica que são fortemente interligadas. A interdisciplinaridade exige que se possa aplicar conceitos, leis, modelos e metodologias da física em problemas nas áreas de medicina e biologia, com foco no desenvolvimento de pesquisas aplicadas aos sistemas vivos.

Quando uma célula reage a um estímulo, participam, coordenadamente, várias proteínas, organelas e estruturas celulares, sendo uma delas o citoesqueleto, composto por proteínas que geram filamentos que dão rigidez e estabilidade mecânica à célula. Busca-se entender como as propriedades mecânicas do complexo membrana-citoesqueleto estão relacionadas com as funções
desempenhadas pelas células. Ferramentas de micromanipulação como pinças óticas e microscopia de força atômica, técnicas de microscopia como contraste de fase, confocal, microscopia eletrônica de varredura e transmissão são utilizadas para caracterização da morfologia e de propriedades físicas da célula e do citoesqueleto em diversas situações.

A pesquisa biomédica envolve o uso de radiações eletromagnéticas de diferentes naturezas e técnicas experimentais relacionadas para estudar a fisiologia, morfologia e bioquímica dos sistemas biológicos. O diagnóstico de doenças e
o desenvolvimento de técnicas terapêuticas são alvos perseguidos como aplicações.

Um grande número de tecnologias atuais utiliza a radiação X como instrumento para um maior conhecimento de detalhes sobre a matéria e suas composições estruturais, destacando-se a medicina e a pesquisa de sistemas físicos baseada em espectros de emissão atômica. Grande esforço vem sendo feito para desenvolver técnicas não destrutivas para investigar a estrutura interna de amostras. Os estudos têm como interesse principal medir concentrações de elementos traço ou perfis de espalhamento objetivando estudar o desenvolvimento de certas doenças que são inacessíveis por métodos convencionais ou com resultados contestáveis.

A pesquisa em neurociência passa por uma revolução quantitativa onde diversas técnicas estão sendo usadas para quantificar com precisão e detalhe as propriedades e composição do sistema nervoso em seus vários níveis. Exemplos notáveis incluem a contagem precisa do número de neurônios e células gliais em cada estrutura cerebral e o mapeamento da conectividade funcional por meio da ressonância magnética de difusão. Historicamente, não havia nas tradicionalmente descritivas ciências biológicas uma grande demanda por teorias sintéticas, modelos matemáticos e simulações. Assim, o surgimento desta neurociência de precisão cria a oportunidade de aplicar algumas das técnicas e métodos desenvolvidos pela física teórica e áreas correlatas para estender as fronteiras da biologia de uma forma interdisciplinar.

Pesquisadores Envolvidos:

Bruno Mota, Lucia Helena Coutinho, Nathan Bessa Viana, Odair Dias Gonçalves, Simone Coutinho Cardoso, Wania Wolff

Modelagem computacional consiste em procurar obter o comportamento de sistemas físicos reais, frequentemente não-lineares e sem soluções analíticas, através de soluções numéricas. É muito útil portanto na análise de sistemas complexos.

A fenomenologia da camada limite turbulenta é de interesse central na dinâmica de fluidos pois tem importância tecnológica indiscutível, com aplicações tecnológicas em dutos de petróleo e na aviação. Porém, não há ainda um entendimento satisfatório de seus mecanismos físicos subjacentes às flutuações de velocidade ou outros observáveis fluido-dinâmicos. A abordagem do problema da modelagem da camada limite turbulenta está associada a aspectos numéricos razoavelmente complexos, fazendo-se necessário o estabelecimento de uma plataforma computacional de alto desempenho.

As enormes quantidades de dados adquiridas pelos grandes experimentos levam também a novos métodos para a análise desses dados. A simulação desses dados é mais um fator extremamente importante. Na física de altas energias, por exemplo, as simulações reproduzem em detalhe os processos fundamentais da interação das partículas com o detector, o que permite realizar comparações de efeitos muito raros ou de percepção muito difícil. Esse tipo de simulação também é empregado nas interações de radiação ionizante com a matéria, como é o caso de tomografias computadorizadas ou técnicas de radioterapia.

Um sistema complexo é composto de partes interconectadas em que o todo exibe uma ou mais propriedades não existentes nas partes que compõem o sistema. O surgimento de propriedades resultantes do comportamento agregado de interações individuais define o fenômeno denominado de emergência. Exemplos de sistemas complexos incluem a Internet e a sociedade humana, sua economia e estruturas sociais. Esses sistemas são caracterizados por equações diferenciais não lineares, pois tais sistemas dinâmicos não estão sujeitos ao princípio da superposição porque o todo não é feito pela soma das partes.

O estudo da sociedade humana do ponto de vista da ciência da complexidade é interdisciplinar, onde a física estatística e sistemas dinâmicos não-lineares têm um papel essencial, contribuindo tanto nos conceitos como nos métodos formais. Tal estudo deu origem recente à econofísica, definida como uma área interdisciplinar onde os conceitos e técnicas de análise utilizados na descrição de sistemas físicos são aplicados na investigação de problemas econômicos e financeiros. Em particular, fenômenos econômicos como, por exemplo, o colapso do mercado acionário, o padrão de distribuição da renda em uma população ou a distribuição do tamanho das cidades surgem como consequência emergente do agregado de interações individuais.

Descrever a origem e a evolução de processos sociais, como a emergência da linguagem ou a formação de opiniões, é atualmente uma área muito promissora de pesquisa em sistemas complexos. Novas técnicas de comunicação e processos de coleta de informações permitem mapear as interações de um grande número de atores, bem como a dinâmica e transmissão de informação ao longo dos laços sociais. Ao mesmo tempo, novas ferramentas teóricas e computacionais já atingiram maturidade suficiente para contribuir de forma significativa nesta área.

Pesquisadores Envolvidos:

Carla Bonifazi, Edgardo Brigatti, João Torres de Mello Neto, Kazuyoshi Akiba, Luca Moriconi, Marcelo Byrro Ribeiro, Miriam Gandelman, Sandra Filippa Amato, Teresinha Stuchi