Vinculo primário entre radiação cósmica de fundo e velocidade solar

A radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB, do inglês) foi emitida quando o universo ainda era um bebê de 380 mil anos. Ela representa a luz mais antiga observável no universo, e marca a época em que a temperatura do universo baixou ao ponto de tornar estáveis os átomos de hidrogênio. A CMB é a janela mais importante para o universo primordial: representa uma importante confirmação não só de que o universo era muito homogêneo no seu início, mas também nos informa quais componentes estavam presentes nesta época e as propriedades das sementes de toda a estrutura do universo atual.

Sua característica mais evidente é o dipolo, que representa uma onda de temperatura que perfaz todo o comprimento do universo primordial com uma amplitude em relação à média de 1 parte em 800. Em contrapartida, os demais comprimentos de ondas (ou multipolos) possuem amplitude ~100 vezes menores. No entanto, o simples movimento do nosso Sol através do universo produz exatamente esse mesmo padrão dipolar devido ao efeito Doppler. Por décadas os astrônomos se perguntaram se este dipolo poderia ser em parte também devido a uma flutuação no universo primordial. Curiosamente, o movimento do Sol produz um efeito separado: a aberração da luz. A aberração distorce a imagem geral do fundo cósmico em micro-ondas.

No artigo [1] medimos esta aberração nos dados do satélite Planck com uma nova metodologia (descrita em detalhes no artigo [2]) que permitiu isolar as contribuições primordial e oriunda da nossa velocidade. Embora a aberração da CMB já tivesse sido medida em um trabalho anterior, a medida não distinguia as possíveis contribuições para esta medida. De fato, outros fenômenos físicos contribuem na medida da aberração, a saber as lentes gravitacionais e o termo cruzado da modulação de frequência (o Doppler) com as perturbações de temperatura primordiais. Estimando a contribuição do primeiro e removendo o segundo efeito, conseguimos uma medida independente tanto da velocidade como do dipolo primordial (ou dipolo intrínseco). A velocidade do Sol no universo foi medida de forma robusta como 300 ± 99 km/s, ou 1 parte em 1000 da velocidade da luz. A contribuição primordial observada não foi significante, com um limite superior de 3,7 mK para sua amplitude de temperatura. Isso representa o primeiro limite para a amplitude da onda mais longa possível de perturbação na homogeneidade primordial.

 

 

Texto de Miguel Quartin

 

[1] Pedro da Silveira Ferreira and Miguel Quartin, First Constraints on the Intrinsic CMB Dipole and Our Velocity with Doppler and Aberration, Phys. Rev. Lett. 127, 101301, 2021.
[2] Pedro da Silveira Ferreira and Miguel Quartin, Disentangling Doppler modulation, aberration and the temperature dipole in the CMB, Phys. Rev. D 104, 063503, 2021.

Acesse aqui o artigo 2: assinantes / livre (arXiv: 2107.10846)